Resumo -Este artigo analisa o livro Moi, Pierre Seel, déporté homosexuel (“Eu, Pierre Seel, Deportado Homossexual”, sem tradução para o português), autobiografia do único francês homossexual a falar abertamente sobre sua experiência de deportado durante a Segunda Guerra Mundial e de prisioneiro do campo de concentração nazista. É o testemunho de uma longa viagem à dor e ao silêncio.
Palavras-chave -literatura de testemunho, homossexualidade, nazismo.
Muitas vezes, quando se fala em viagens, são evocados bons momentos e belas imagens. Mas para milhares de homossexuais que foram perseguidos pelo regime nazista e enviados a campos de concentração, as lembranças são bem diferentes, são de momentos dolorosos, sofridos e traumáticos. É o que se pode observar com a autobiografia do francês Pierre Seel, deportado ao campo de Schirmeck-Vorbrück, na região da Alsácia, o único em solo francês. Depois de anos de silêncio, resolveu contar sua história, testemunhar, denunciar. Assim, escreveu Moi, Pierre Seel, Déporté Homosexuel (“Eu, Pierre Seel, Deportado Homossexual”, sem tradução para o português).
Com a Segunda Guerra Mundial, a região da Alsácia foi tomada pelos nazistas, e em 3 de maio de 1941, ainda aos 17 anos, Seel foi capturado. Depois de ficar dez dias na cadeia da cidade, onde sofreu tortura, foi transferido ao campo de concentração de Schirmeck-Vorbrück. A primeira viagem rumo à dor. Lá, foi obrigado a usar um uniforme marcado com uma faixa azul, que significava católico e/ou prisioneiro anti-social, ao invés do triângulo rosa, símbolo que marcava os homossexuais capturados em Auschwitz, mas que não estava sendo usado em Schirmeck. Porém, sabia-se que o eram. Os nazistas, assim, faziam uso da tortura para tentar descobrir outros homossexuais que ainda não haviam sido capturados. “A engrenagem de violência se acelerou. Irritados com nossa resistência, os SS começaram a arrancar as unhas de alguns de nós. Com raiva, eles romperam as réguas sob as quais nós estávamos ajoelhados e se serviram delas para nos violar. Nossos intestinos foram perfurados. O sangue salpicava por todo lado. Eu ainda escuto nossos atrozes gritos de dor. (SEEL, 1994, p. 39, tradução minha).
Podemos observar que uma importante questão presente em sua autobiografia é a da violência sofrida, das torturas. Esta é, aliás, uma das características desse tipo de escrita, pertencente à Literatura de Testemunho, que engloba as diversas narrativas de situações-limite. “Essa ética e estética da literatura de testemunho possui o corpo – a dor – como um dos seus alicerces.” (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 111).
Pierre Seel narra, assim, como foi o tempo que passou no campo de concentração e tudo o que foi obrigado a suportar. “Eu vivi seis meses desse jeito, nesse espaço onde o horror e a selvageria eram a lei. Mas eu demoro a evocar a provação que foi a pior para mim, embora ela tenha se passado nas primeiras semanas do meu encarceramento nesse campo. Ela contribuiu mais que tudo a fazer de mim essa sombra obediente e silenciosa entre os outros.” (SEEL, 1994, p. 58, tradução minha).
Seligmann-Silva afirma que, “na literatura de testemunho de um modo geral é frequente a concepção do campo como constituindo a “única realidade” e a afirmação da impossibilidade de saída dele, da impossibilidade de libertação dele.” (Seligmann-Silva, 2005, p. 110). Também vemos isso presente nas memórias de Pierre Seel: “O ritmo infernal do campo, feito de jornadas repetitivas pontuadas de humilhações incessantes, instalou-se por muito tempo em meu corpo, em minha cabeça. Nada se passava além do ciclo cotidiano de atrocidades tranquilamente programadas pelos SS.” (SEEL, 1994, p. 61, tradução minha).
Depois desses meses passados e sofridos no campo de concentração, foi libertado. Ele narra, em sua autobiografia, como estava seu estado mental, ao sair e andar pelas ruas de Schirmeck, rumo à estação de trem: “Uma hora mais cedo, não longe da forca, eu fazia ainda gestos de autômato descerebrado em meio a gritos, cães, pequenas metralhadoras e torres de vigilância.” (SEEL, 1994, p. 64, tradução minha). E observamos em seu texto que são repassadas à escrita todas as indagações que ele se fazia ao sair de lá, narrando também como aconteceu seu retorno para casa e como se sentiu ao se deparar com sua família. “uando cheguei em casa, eu toquei a campainha como um estranho.” (SEEL, 1994, p. 65, tradução minha). Estrangeiro, aquele que é diferente, que vem de um outro lugar, que não pertence a um grupo, a uma cidade, a uma família. Aquele que não compartilha os mesmos signos, não é familiar, conhecido. Estranho. Era assim que se sentia.
“Nós estávamos em 6 de novembro de 1941. Um duplo segredo acabava de se selar de uma só vez: o do horror nazista e o da vergonha de minha homossexualidade. De vez em quando, um olhar caía sobre mim, cheio de interrogações sobre meu aspecto famélico. Em que eu havia me transformado em seis meses? Eu era, portanto, homossexual? Que me haviam feito passar os nazistas? Por que haviam me libertado? Essas questões naturais, ninguém as colocava. Mas se alguém tivesse feito, eu não teria respondido: eu estava preso ao meu duplo segredo. E a esses olhares silenciosos, eu levei quarenta anos para responder.” (SEEL, 1994, p. 66, tradução minha).
Vemos, portanto, que foi uma viagem bem longa essa do silêncio. Antes de Pierre Seel ter sido libertado do campo de concentração, teve que assinar uma declaração em que aceitava tornar-se um cidadão alemão, como podiam fazer os alsacianos sob a ocupação. Essa era uma tática nazista, pois, com isso, foi obrigado a fazer parte do exército alemão e a lutar na guerra, durante três anos. Sua segunda viagem ao sofrimento.
“Portanto, a guerra, aos dezoito anos e meio, e com o uniforme alemão. Eu não me lembro da minha partida de Mulhouse; e os três anos que se seguiram, em que eu atravessei a Europa toda, muitos detalhes, lugares, datas, escapam-me completamente. Eu faço um esforço para me lembrar e para delimitar os acontecimentos, mas eles se esquivam: esquecidos? reprimidos? É como se, nas garras dos nazistas, eu tivesse concentrado toda minha vontade na ideia única de sobreviver, e não na de me lembrar. Somente fragmentos de memória se mantêm, aleatórios, desconcertados em sua desordem”. (SEEL, 1994, p. 69, tradução minha).
Observamos, assim, em seu relato, uma memória fragmentada. Outra característica da literatura de testemunho. Isso é decorrência da situação extrema pela qual passou o sobrevivente. O filósofo Paul Ricoeur afirma, em seu livro A História, a Memória, o Esquecimento, que a testemunha não esteve ela mesma distante dos acontecimentos, ela não ‘assistiu’ a eles; ela foi sua vítima. E, dialogando com Saul Friedlander, escritor do livro Probing the Limits of Representation, o filósofo aborda a questão do limite.
“O vocábulo pode designar dois tipos de limites: de um lado, um tipo de esgotamento das formas de representação disponíveis em nossa cultura para dar legibilidade e visibilidade ao acontecimento chamado ‘solução final’; de outro lado, uma solicitação, uma exigência de ser dito, representado, elevando-se do próprio cerne do acontecimento, procedendo, portanto, dessa origem do discurso que certa tradição retórica considera como o extralinguístico, banido da terra semiótica”. (RICOEUR, 2008, p. 267).
Além disso, a violência sofrida, ou seja, “os danos físicos infligidos das rupturas de contrato, as contestações a respeito de atribuição de bens, de posições de poder e de autoridade, e todos os outros delitos e crimes constituem outras tantas feridas de memória que demandam um trabalho de memória inseparável de um trabalho de luto visando a uma reapropriação por todas as partes do delito e do crime, apesar de sua estranheza essencial. Da cena traumática à cena simbólica, poderíamos dizer” (RICOEUR, 2008, p. 334).
Seel sofreu muitos atos violentos, e violência de toda espécie, desde corporal à simbólica. Ademais, presenciou a morte de muitas pessoas, inclusive de pessoas que amava. E também foi obrigado a matar para não morrer. Todas essas fortes impressões podem gerar traumas, que podem ser fortes demais e ser apagados ou então podem estar presentes para sempre. Permanecem mesmo quando estão inacessíveis, indisponíveis. Em seu lugar, aparecem fenômenos de substituição, sintomas que mascaram o retorno do recalcado de modos diversos, como, por exemplo, os sonhos. Além disso, percebemos também em Pierre Seel a “síndrome do sobrevivente”, termo usado por W. G. Niederland para representar uma “situação crônica de angústia e depressão, marcada por distúrbios de sono, pesadelos recorrentes, apatia, problemas somáticos, anestesia afetiva, ‘automatização do ego’, incapacidade de verbalizar a experiência traumática, culpa por ter sobrevivido e um trabalho de trauma que não é concluído” (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 68).
Pierre Seel nos narra:
“Um fantasma eu me tornei e um fantasma eu permanecia: não devia ainda ter tomado consciência de que eu continuava vivo. À noite, me visitavam pesadelos e durante o dia eu praticava o silêncio. Eu queria esquecer todos os detalhes e todos os terrores dos quatro anos que eu acabava de viver. Estava totalmente exausto por meus múltiplos enfrentamentos com a morte e constatava dolorosamente a impotência que eu havia sentido ante a morte dos outros. Uma tristeza imensa havia se apossado de mim. E eu não tinha desejo algum.” (SEEL, 1994, p. 113, tradução minha).
Quatro anos de muito sofrimento, percorrendo vários lugares da Europa, tendo sido transformado pelos nazistas em um fantasma a serviço da morte. O armistício foi selado em 8 de maio de 1945, terminando assim a guerra. Porém sua repatriação tardou a acontecer. A demorada e burocrática volta à França ocorreu somente no dia 7 de agosto de 1945, chegando a Paris, onde ficou ainda por mais um ano, ajudando no registro dos repatriados. Enfim, depois de quatro anos, retornou a sua cidade, Mulhouse. Mas constatou: “Eu já comecei a censurar minhas lembranças e percebi que, apesar das minhas expectativas, apesar de tudo que eu havia imaginado, da emoção do retorno tão esperado, a verdadeira Libertação era para os outros.” (SEEL, 1994, p. 110, tradução minha). Começou, portanto, uma outra viagem, a do silêncio.
Um grande fator que contribuiu para isso foi que, com o fim da guerra, o governo Charles de Gaulle modificou o código penal francês, retirando principalmente leis anti-semitas. Porém, os artigos contra homossexualidade continuaram, tornando-se ainda mais rígidos em 1962. Somente em 1981 deixou de ser ilegal na França. Portanto, as vítimas homossexuais sentiam-se inseguras para contar suas verdadeiras histórias, por medo do estigma e de possíveis ações legais, e, assim, omitiam-nas, ou mesmo mentiam. O testemunho dos homossexuais era, portanto, socialmente inaudível, impossível e perigoso. Assim, relata Seel: “Tendo conhecimento da existência dessa lei, eu compreendi também que ao falar, eu corria o risco de ser ameaçado do lado dos tribunais, e acusado de fazer apologia de uma sexualidade 'contra-natureza'.” (SEEL, 1994, p. 115). Os homossexuais somente foram reconhecidos como vítimas do nazismo há alguns anos. O governo alemão pediu desculpas, em novembro de 2000, pelas deportações e torturas sofridas. E o estado francês reconheceu somente em abril de 2001 as perseguições sofridas por eles durante a Segunda Guerra Mundial.
Assim, depois de anos de auto-censura, silêncio e solidão, Pierre Seel resolve tentar levar uma vida “normal”. E, para isso, acreditava que o casamento era a solução. Desse modo, Seel casou-se, em 1950, tendo, mais tarde, três filhos. No entanto, tudo isso havia sido apenas uma ilusão. Anos depois, percebendo que não havia dado certo sua tentativa e sentindo-se muito angustiado, resolveu quebrar o silêncio. E aqui vemos outra marca muito importante da literatura de testemunho. A narrativa “é tecida como uma forma de se ‘libertar’ do passado como também se desdobra como um doloroso exercício de construção da identidade. Ela é uma narração necessária tanto em termos individuais como também – pensando universalmente – deve funcionar como um testemunho para a posteridade. Ela é um ato subjetivo e objetivo, psicológico e ético” (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 114).
Testemunhar foi algo que lhe fez bem. “Eu reconheço que tudo isso me tranquilizou. Eu me senti subitamente rodeado de um novo respeito pela minha identidade. E eu mesmo me olhei com mais dignidade. Sem dúvida porque eu tinha desse momento em diante um dever: fazer reconhecer a deportação dos homossexuais.” (SEEL, 1994, p. 159, tradução minha).
Bella Josef nos diz que “o testemunho nasceu, muitas vezes, da necessidade de apresentar o lado escondido da história, a dos dominados em oposição à dos dominadores.” (JOSEF, 1999, p. 298). Ela afirma também que, partindo-se do pessoal, tenta-se superá-lo para impor uma problemática coletiva, que foi justamente o que fez Seel. Ao falar de si e prestar seu testemunho, busca resgatar a memória coletiva desse grupo que, assim como ele, foi perseguido pelo fato de ser homossexual. O “eu” representa, assim, também os outros; temos um passado particular que pode ser visto também como coletivo.
Portanto, Pierre Seel dá voz a esse coletivo do qual fez parte, buscando que a justiça seja feita. Segundo Paul Ricoeur, é esta que transforma a memória em projeto, extraindo das lembranças traumatizantes seu valor exemplar, e é esse mesmo projeto de justiça que dá ao dever de memória a forma do futuro e do imperativo.
“É preciso primeiro lembrar que, entre todas as virtudes, a da justiça é a que, por excelência e por constituição, é voltada para outrem. (...) O dever de memória é o dever de fazer justiça, pela lembrança, a um outro que não o si. (...) O dever de memória não se limita a guardar o rastro material, escrito ou outro, dos fatos acabados, mas entretém o sentimento de dever a outros, que não são mais, mas já foram.” (RICOEUR, 2008, p. 101).
Essa é uma outra característica extremamente relevante da literatura de testemunho, pois ela existe apenas no contexto da contra-história, da denúncia e da busca pela justiça. “A verdade e a utilidade são, portanto, fundamentais.” (Seligmann-Silva, 2005, p. 88). Busca-se um registro da história, da opressão, e há uma simbiose entre memória e história.
Assim, vemos que a autobiografia, como afirma Phillipe Lejeune, “é feita para transmitir um universo de valores, uma sensibilidade ao mundo, experiências desconhecidas, e isto no quadro de uma relação pessoal percebida como autêntica e não ficcional.” (LEJEUNE, 2003, p. 53-54). E, portanto, inscreve-se tanto no campo do conhecimento histórico, pelo desejo de saber e de compreender; no campo da ação, pela promessa de facultar esse conhecimento aos outros; como também na área da criação artística, afinal trata-se de um texto literário.
De acordo com Georges Gusdorf, as Memórias propõem uma crônica pessoal do devir histórico, colocando a ênfase sobre a ordem das coisas, ao invés da subjetividade própria do narrador. “Sem dúvida, ele reage ao acontecimento com uma certa complacência de si mesmo, que ele não precisa dissumular, mas o interesse principal se coloca nos acontecimentos políticos, militares, diplomáticos aos quais o redator esteve envolvido.” (GUSDORF, 1991, p. 252, tradução minha).
Gusdorf diz também que a autobiografia permite ao historiador ver a realidade com os mesmos olhos dos que a viveram. No entanto, há uma relação objetiva dos acontecimentos de que o autor participou, pois busca ser uma testemunha destinada a trazer uma contribuição à história de seu tempo, mesmo estando inscrito no interior de suas lembranças. Seel afirma: “Testemunhar, dizer tudo, exigir reabilitação do meu passado, desse passado que é também o de muitos outros, esquecidos, ocultos nas horas negras da Europa. Testemunhar para proteger o futuro, testemunhar para acabar com a amnésia dos meus contemporâneos.” (SEEL, 1994, p. 156-157, tradução minha).
A autobiografia de Pierre Seel é, deste modo, um importante texto, tanto em termos literários, quanto em termos de documento histórico. Ricoeur afirma que “não temos nada melhor que o testemunho, em última análise, para assegurar-nos de que algo aconteceu, a que alguém atesta ter assistido pessoalmente” (RICOEUR, 2008, p. 156). Seel escreve justamente para dar seu testemunho. Para fazer visíveis as crueldades sofridas pelos homossexuais, recuperando, assim, a memória de um passado de repressão, e buscando o reconhecimento desse grupo, considerado como o mais inferior, pelos nazistas, e por muitas pessoas ainda hoje. E é justamente contra a repetição dessas situações de barbárie que Seel escreveu a história de sua vida, a história das difíceis viagens rumo à dor e ao silêncio.
Abstract: This article discusses the book Moi, Pierre Seel, déporté homosexuel (Liberation Was for Others: Memoirs of a Gay Survivor of the Nazi Holocaust, in its English version), autobiography of the only French homosexual to openly speak about his experience of deported during the Second World War and prisoner of a Nazi concentration camp. It is the testimony of a long journey to pain and silence.
Keywords: literature of testimony, homosexuality, Nazism
REFERÊNCIAS
GUSDORF, Georges. Les écritures du moi. Paris: Ed. Odile Jacob, 1991.
JOSEF, Bella. “(Auto)biografia: os territórios da memória e da história”. In LEENHARDT, J. e PESAVENTO, S. (orgs.). Discurso histórico e narrativa literária. Campinas: Editora da Unicamp, 1998.
LEJEUNE, Phillipe. “Definir Autobiografia”. In MORÃO, P. (org.). Autobiografia. Auto-representação. Lisboa: Fac. Letras de Lisboa, 2003.
RICOEUR, Paul. A memória, a História, o Esquecimento. Campinas: Editora da Unicamp, 2008.
SEEL, Pierre; LE BITOUX, Jean. Moi, Pierre Seel, déporté homosexuel. Paris: Éditions Calmann-Lévy, 1994.
SELIGMANN-SILVA, Márcio (org.). O local da diferença: ensaios sobre memória, arte, literatura e tradução. São Paulo: Editora 34, 2005.
Palavras-chave -literatura de testemunho, homossexualidade, nazismo.
Muitas vezes, quando se fala em viagens, são evocados bons momentos e belas imagens. Mas para milhares de homossexuais que foram perseguidos pelo regime nazista e enviados a campos de concentração, as lembranças são bem diferentes, são de momentos dolorosos, sofridos e traumáticos. É o que se pode observar com a autobiografia do francês Pierre Seel, deportado ao campo de Schirmeck-Vorbrück, na região da Alsácia, o único em solo francês. Depois de anos de silêncio, resolveu contar sua história, testemunhar, denunciar. Assim, escreveu Moi, Pierre Seel, Déporté Homosexuel (“Eu, Pierre Seel, Deportado Homossexual”, sem tradução para o português).
Com a Segunda Guerra Mundial, a região da Alsácia foi tomada pelos nazistas, e em 3 de maio de 1941, ainda aos 17 anos, Seel foi capturado. Depois de ficar dez dias na cadeia da cidade, onde sofreu tortura, foi transferido ao campo de concentração de Schirmeck-Vorbrück. A primeira viagem rumo à dor. Lá, foi obrigado a usar um uniforme marcado com uma faixa azul, que significava católico e/ou prisioneiro anti-social, ao invés do triângulo rosa, símbolo que marcava os homossexuais capturados em Auschwitz, mas que não estava sendo usado em Schirmeck. Porém, sabia-se que o eram. Os nazistas, assim, faziam uso da tortura para tentar descobrir outros homossexuais que ainda não haviam sido capturados. “A engrenagem de violência se acelerou. Irritados com nossa resistência, os SS começaram a arrancar as unhas de alguns de nós. Com raiva, eles romperam as réguas sob as quais nós estávamos ajoelhados e se serviram delas para nos violar. Nossos intestinos foram perfurados. O sangue salpicava por todo lado. Eu ainda escuto nossos atrozes gritos de dor. (SEEL, 1994, p. 39, tradução minha).
Podemos observar que uma importante questão presente em sua autobiografia é a da violência sofrida, das torturas. Esta é, aliás, uma das características desse tipo de escrita, pertencente à Literatura de Testemunho, que engloba as diversas narrativas de situações-limite. “Essa ética e estética da literatura de testemunho possui o corpo – a dor – como um dos seus alicerces.” (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 111).
Pierre Seel narra, assim, como foi o tempo que passou no campo de concentração e tudo o que foi obrigado a suportar. “Eu vivi seis meses desse jeito, nesse espaço onde o horror e a selvageria eram a lei. Mas eu demoro a evocar a provação que foi a pior para mim, embora ela tenha se passado nas primeiras semanas do meu encarceramento nesse campo. Ela contribuiu mais que tudo a fazer de mim essa sombra obediente e silenciosa entre os outros.” (SEEL, 1994, p. 58, tradução minha).
Seligmann-Silva afirma que, “na literatura de testemunho de um modo geral é frequente a concepção do campo como constituindo a “única realidade” e a afirmação da impossibilidade de saída dele, da impossibilidade de libertação dele.” (Seligmann-Silva, 2005, p. 110). Também vemos isso presente nas memórias de Pierre Seel: “O ritmo infernal do campo, feito de jornadas repetitivas pontuadas de humilhações incessantes, instalou-se por muito tempo em meu corpo, em minha cabeça. Nada se passava além do ciclo cotidiano de atrocidades tranquilamente programadas pelos SS.” (SEEL, 1994, p. 61, tradução minha).
Depois desses meses passados e sofridos no campo de concentração, foi libertado. Ele narra, em sua autobiografia, como estava seu estado mental, ao sair e andar pelas ruas de Schirmeck, rumo à estação de trem: “Uma hora mais cedo, não longe da forca, eu fazia ainda gestos de autômato descerebrado em meio a gritos, cães, pequenas metralhadoras e torres de vigilância.” (SEEL, 1994, p. 64, tradução minha). E observamos em seu texto que são repassadas à escrita todas as indagações que ele se fazia ao sair de lá, narrando também como aconteceu seu retorno para casa e como se sentiu ao se deparar com sua família. “uando cheguei em casa, eu toquei a campainha como um estranho.” (SEEL, 1994, p. 65, tradução minha). Estrangeiro, aquele que é diferente, que vem de um outro lugar, que não pertence a um grupo, a uma cidade, a uma família. Aquele que não compartilha os mesmos signos, não é familiar, conhecido. Estranho. Era assim que se sentia.
“Nós estávamos em 6 de novembro de 1941. Um duplo segredo acabava de se selar de uma só vez: o do horror nazista e o da vergonha de minha homossexualidade. De vez em quando, um olhar caía sobre mim, cheio de interrogações sobre meu aspecto famélico. Em que eu havia me transformado em seis meses? Eu era, portanto, homossexual? Que me haviam feito passar os nazistas? Por que haviam me libertado? Essas questões naturais, ninguém as colocava. Mas se alguém tivesse feito, eu não teria respondido: eu estava preso ao meu duplo segredo. E a esses olhares silenciosos, eu levei quarenta anos para responder.” (SEEL, 1994, p. 66, tradução minha).
Vemos, portanto, que foi uma viagem bem longa essa do silêncio. Antes de Pierre Seel ter sido libertado do campo de concentração, teve que assinar uma declaração em que aceitava tornar-se um cidadão alemão, como podiam fazer os alsacianos sob a ocupação. Essa era uma tática nazista, pois, com isso, foi obrigado a fazer parte do exército alemão e a lutar na guerra, durante três anos. Sua segunda viagem ao sofrimento.
“Portanto, a guerra, aos dezoito anos e meio, e com o uniforme alemão. Eu não me lembro da minha partida de Mulhouse; e os três anos que se seguiram, em que eu atravessei a Europa toda, muitos detalhes, lugares, datas, escapam-me completamente. Eu faço um esforço para me lembrar e para delimitar os acontecimentos, mas eles se esquivam: esquecidos? reprimidos? É como se, nas garras dos nazistas, eu tivesse concentrado toda minha vontade na ideia única de sobreviver, e não na de me lembrar. Somente fragmentos de memória se mantêm, aleatórios, desconcertados em sua desordem”. (SEEL, 1994, p. 69, tradução minha).
Observamos, assim, em seu relato, uma memória fragmentada. Outra característica da literatura de testemunho. Isso é decorrência da situação extrema pela qual passou o sobrevivente. O filósofo Paul Ricoeur afirma, em seu livro A História, a Memória, o Esquecimento, que a testemunha não esteve ela mesma distante dos acontecimentos, ela não ‘assistiu’ a eles; ela foi sua vítima. E, dialogando com Saul Friedlander, escritor do livro Probing the Limits of Representation, o filósofo aborda a questão do limite.
“O vocábulo pode designar dois tipos de limites: de um lado, um tipo de esgotamento das formas de representação disponíveis em nossa cultura para dar legibilidade e visibilidade ao acontecimento chamado ‘solução final’; de outro lado, uma solicitação, uma exigência de ser dito, representado, elevando-se do próprio cerne do acontecimento, procedendo, portanto, dessa origem do discurso que certa tradição retórica considera como o extralinguístico, banido da terra semiótica”. (RICOEUR, 2008, p. 267).
Além disso, a violência sofrida, ou seja, “os danos físicos infligidos das rupturas de contrato, as contestações a respeito de atribuição de bens, de posições de poder e de autoridade, e todos os outros delitos e crimes constituem outras tantas feridas de memória que demandam um trabalho de memória inseparável de um trabalho de luto visando a uma reapropriação por todas as partes do delito e do crime, apesar de sua estranheza essencial. Da cena traumática à cena simbólica, poderíamos dizer” (RICOEUR, 2008, p. 334).
Seel sofreu muitos atos violentos, e violência de toda espécie, desde corporal à simbólica. Ademais, presenciou a morte de muitas pessoas, inclusive de pessoas que amava. E também foi obrigado a matar para não morrer. Todas essas fortes impressões podem gerar traumas, que podem ser fortes demais e ser apagados ou então podem estar presentes para sempre. Permanecem mesmo quando estão inacessíveis, indisponíveis. Em seu lugar, aparecem fenômenos de substituição, sintomas que mascaram o retorno do recalcado de modos diversos, como, por exemplo, os sonhos. Além disso, percebemos também em Pierre Seel a “síndrome do sobrevivente”, termo usado por W. G. Niederland para representar uma “situação crônica de angústia e depressão, marcada por distúrbios de sono, pesadelos recorrentes, apatia, problemas somáticos, anestesia afetiva, ‘automatização do ego’, incapacidade de verbalizar a experiência traumática, culpa por ter sobrevivido e um trabalho de trauma que não é concluído” (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 68).
Pierre Seel nos narra:
“Um fantasma eu me tornei e um fantasma eu permanecia: não devia ainda ter tomado consciência de que eu continuava vivo. À noite, me visitavam pesadelos e durante o dia eu praticava o silêncio. Eu queria esquecer todos os detalhes e todos os terrores dos quatro anos que eu acabava de viver. Estava totalmente exausto por meus múltiplos enfrentamentos com a morte e constatava dolorosamente a impotência que eu havia sentido ante a morte dos outros. Uma tristeza imensa havia se apossado de mim. E eu não tinha desejo algum.” (SEEL, 1994, p. 113, tradução minha).
Quatro anos de muito sofrimento, percorrendo vários lugares da Europa, tendo sido transformado pelos nazistas em um fantasma a serviço da morte. O armistício foi selado em 8 de maio de 1945, terminando assim a guerra. Porém sua repatriação tardou a acontecer. A demorada e burocrática volta à França ocorreu somente no dia 7 de agosto de 1945, chegando a Paris, onde ficou ainda por mais um ano, ajudando no registro dos repatriados. Enfim, depois de quatro anos, retornou a sua cidade, Mulhouse. Mas constatou: “Eu já comecei a censurar minhas lembranças e percebi que, apesar das minhas expectativas, apesar de tudo que eu havia imaginado, da emoção do retorno tão esperado, a verdadeira Libertação era para os outros.” (SEEL, 1994, p. 110, tradução minha). Começou, portanto, uma outra viagem, a do silêncio.
Um grande fator que contribuiu para isso foi que, com o fim da guerra, o governo Charles de Gaulle modificou o código penal francês, retirando principalmente leis anti-semitas. Porém, os artigos contra homossexualidade continuaram, tornando-se ainda mais rígidos em 1962. Somente em 1981 deixou de ser ilegal na França. Portanto, as vítimas homossexuais sentiam-se inseguras para contar suas verdadeiras histórias, por medo do estigma e de possíveis ações legais, e, assim, omitiam-nas, ou mesmo mentiam. O testemunho dos homossexuais era, portanto, socialmente inaudível, impossível e perigoso. Assim, relata Seel: “Tendo conhecimento da existência dessa lei, eu compreendi também que ao falar, eu corria o risco de ser ameaçado do lado dos tribunais, e acusado de fazer apologia de uma sexualidade 'contra-natureza'.” (SEEL, 1994, p. 115). Os homossexuais somente foram reconhecidos como vítimas do nazismo há alguns anos. O governo alemão pediu desculpas, em novembro de 2000, pelas deportações e torturas sofridas. E o estado francês reconheceu somente em abril de 2001 as perseguições sofridas por eles durante a Segunda Guerra Mundial.
Assim, depois de anos de auto-censura, silêncio e solidão, Pierre Seel resolve tentar levar uma vida “normal”. E, para isso, acreditava que o casamento era a solução. Desse modo, Seel casou-se, em 1950, tendo, mais tarde, três filhos. No entanto, tudo isso havia sido apenas uma ilusão. Anos depois, percebendo que não havia dado certo sua tentativa e sentindo-se muito angustiado, resolveu quebrar o silêncio. E aqui vemos outra marca muito importante da literatura de testemunho. A narrativa “é tecida como uma forma de se ‘libertar’ do passado como também se desdobra como um doloroso exercício de construção da identidade. Ela é uma narração necessária tanto em termos individuais como também – pensando universalmente – deve funcionar como um testemunho para a posteridade. Ela é um ato subjetivo e objetivo, psicológico e ético” (SELIGMANN-SILVA, 2005, p. 114).
Testemunhar foi algo que lhe fez bem. “Eu reconheço que tudo isso me tranquilizou. Eu me senti subitamente rodeado de um novo respeito pela minha identidade. E eu mesmo me olhei com mais dignidade. Sem dúvida porque eu tinha desse momento em diante um dever: fazer reconhecer a deportação dos homossexuais.” (SEEL, 1994, p. 159, tradução minha).
Bella Josef nos diz que “o testemunho nasceu, muitas vezes, da necessidade de apresentar o lado escondido da história, a dos dominados em oposição à dos dominadores.” (JOSEF, 1999, p. 298). Ela afirma também que, partindo-se do pessoal, tenta-se superá-lo para impor uma problemática coletiva, que foi justamente o que fez Seel. Ao falar de si e prestar seu testemunho, busca resgatar a memória coletiva desse grupo que, assim como ele, foi perseguido pelo fato de ser homossexual. O “eu” representa, assim, também os outros; temos um passado particular que pode ser visto também como coletivo.
Portanto, Pierre Seel dá voz a esse coletivo do qual fez parte, buscando que a justiça seja feita. Segundo Paul Ricoeur, é esta que transforma a memória em projeto, extraindo das lembranças traumatizantes seu valor exemplar, e é esse mesmo projeto de justiça que dá ao dever de memória a forma do futuro e do imperativo.
“É preciso primeiro lembrar que, entre todas as virtudes, a da justiça é a que, por excelência e por constituição, é voltada para outrem. (...) O dever de memória é o dever de fazer justiça, pela lembrança, a um outro que não o si. (...) O dever de memória não se limita a guardar o rastro material, escrito ou outro, dos fatos acabados, mas entretém o sentimento de dever a outros, que não são mais, mas já foram.” (RICOEUR, 2008, p. 101).
Essa é uma outra característica extremamente relevante da literatura de testemunho, pois ela existe apenas no contexto da contra-história, da denúncia e da busca pela justiça. “A verdade e a utilidade são, portanto, fundamentais.” (Seligmann-Silva, 2005, p. 88). Busca-se um registro da história, da opressão, e há uma simbiose entre memória e história.
Assim, vemos que a autobiografia, como afirma Phillipe Lejeune, “é feita para transmitir um universo de valores, uma sensibilidade ao mundo, experiências desconhecidas, e isto no quadro de uma relação pessoal percebida como autêntica e não ficcional.” (LEJEUNE, 2003, p. 53-54). E, portanto, inscreve-se tanto no campo do conhecimento histórico, pelo desejo de saber e de compreender; no campo da ação, pela promessa de facultar esse conhecimento aos outros; como também na área da criação artística, afinal trata-se de um texto literário.
De acordo com Georges Gusdorf, as Memórias propõem uma crônica pessoal do devir histórico, colocando a ênfase sobre a ordem das coisas, ao invés da subjetividade própria do narrador. “Sem dúvida, ele reage ao acontecimento com uma certa complacência de si mesmo, que ele não precisa dissumular, mas o interesse principal se coloca nos acontecimentos políticos, militares, diplomáticos aos quais o redator esteve envolvido.” (GUSDORF, 1991, p. 252, tradução minha).
Gusdorf diz também que a autobiografia permite ao historiador ver a realidade com os mesmos olhos dos que a viveram. No entanto, há uma relação objetiva dos acontecimentos de que o autor participou, pois busca ser uma testemunha destinada a trazer uma contribuição à história de seu tempo, mesmo estando inscrito no interior de suas lembranças. Seel afirma: “Testemunhar, dizer tudo, exigir reabilitação do meu passado, desse passado que é também o de muitos outros, esquecidos, ocultos nas horas negras da Europa. Testemunhar para proteger o futuro, testemunhar para acabar com a amnésia dos meus contemporâneos.” (SEEL, 1994, p. 156-157, tradução minha).
A autobiografia de Pierre Seel é, deste modo, um importante texto, tanto em termos literários, quanto em termos de documento histórico. Ricoeur afirma que “não temos nada melhor que o testemunho, em última análise, para assegurar-nos de que algo aconteceu, a que alguém atesta ter assistido pessoalmente” (RICOEUR, 2008, p. 156). Seel escreve justamente para dar seu testemunho. Para fazer visíveis as crueldades sofridas pelos homossexuais, recuperando, assim, a memória de um passado de repressão, e buscando o reconhecimento desse grupo, considerado como o mais inferior, pelos nazistas, e por muitas pessoas ainda hoje. E é justamente contra a repetição dessas situações de barbárie que Seel escreveu a história de sua vida, a história das difíceis viagens rumo à dor e ao silêncio.
Abstract: This article discusses the book Moi, Pierre Seel, déporté homosexuel (Liberation Was for Others: Memoirs of a Gay Survivor of the Nazi Holocaust, in its English version), autobiography of the only French homosexual to openly speak about his experience of deported during the Second World War and prisoner of a Nazi concentration camp. It is the testimony of a long journey to pain and silence.
Keywords: literature of testimony, homosexuality, Nazism
REFERÊNCIAS
GUSDORF, Georges. Les écritures du moi. Paris: Ed. Odile Jacob, 1991.
JOSEF, Bella. “(Auto)biografia: os territórios da memória e da história”. In LEENHARDT, J. e PESAVENTO, S. (orgs.). Discurso histórico e narrativa literária. Campinas: Editora da Unicamp, 1998.
LEJEUNE, Phillipe. “Definir Autobiografia”. In MORÃO, P. (org.). Autobiografia. Auto-representação. Lisboa: Fac. Letras de Lisboa, 2003.
RICOEUR, Paul. A memória, a História, o Esquecimento. Campinas: Editora da Unicamp, 2008.
SEEL, Pierre; LE BITOUX, Jean. Moi, Pierre Seel, déporté homosexuel. Paris: Éditions Calmann-Lévy, 1994.
SELIGMANN-SILVA, Márcio (org.). O local da diferença: ensaios sobre memória, arte, literatura e tradução. São Paulo: Editora 34, 2005.
FONTE: http://www.pgletras.uerj.br/palimpsesto/num7/dossie/dossie_TiagoElidiodaSilva.htm
Source : Deportação nazista de homossexuais: uma viagem à dor e ao silêncio, Tiago Elídio (Mestrando, UNICAMP). Tiago Elídio peut être contacté à l'adresse suivante : tiagoelidio@gmail.com
Photo : Paris, le 29 avril 2001. Commémoration de la Journée nationale du souvenir de la déportation, sur l'Ile de la Cité, à Paris. Pierre Seel, à gauche, en compagnie de Jean Le Bitoux, président d'honneur du Mémorial de la Déportation Homosexuelle. Contrairement aux années précédentes, les délégations officielles (représentées sur cette photo par des militaires en tenue) n'ont pas quitté les lieux à l'arrivée de la délégation homosexuelle. A l'issue de la cérémonie, Bertrand Delanoë, maire de Paris, s'est entretenu avec les participants, parmi lesquels : Mme Simone Weil (ancienne déportée à Auschwitz, ancienne ministre), M. Pierre Seel, M. Masseret (Secrétaire d'Etat à la Défense chargé des anciens combattants), M. Jean Le Bitoux et M. René Lalement, président du Mémorial de la Déportation Homosexuelle (Photo : Franck Dennis - no copyright).
Photo : Paris, le 29 avril 2001. Commémoration de la Journée nationale du souvenir de la déportation, sur l'Ile de la Cité, à Paris. Pierre Seel, à gauche, en compagnie de Jean Le Bitoux, président d'honneur du Mémorial de la Déportation Homosexuelle. Contrairement aux années précédentes, les délégations officielles (représentées sur cette photo par des militaires en tenue) n'ont pas quitté les lieux à l'arrivée de la délégation homosexuelle. A l'issue de la cérémonie, Bertrand Delanoë, maire de Paris, s'est entretenu avec les participants, parmi lesquels : Mme Simone Weil (ancienne déportée à Auschwitz, ancienne ministre), M. Pierre Seel, M. Masseret (Secrétaire d'Etat à la Défense chargé des anciens combattants), M. Jean Le Bitoux et M. René Lalement, président du Mémorial de la Déportation Homosexuelle (Photo : Franck Dennis - no copyright).
Aucun commentaire:
Enregistrer un commentaire